É difícil imaginar que fatores emocionais como estresse, discriminação ou baixa rede de apoio possam afetar diretamente a imunidade de uma mulher com câncer de mama — mas é exatamente isso que a ciência tem revelado.
Durante mais de uma década, entre 2012 e 2023, um estudo realizado em dois hospitais de Baltimore, nos EUA, acompanhou 121 mulheres com câncer de mama, incluindo pacientes negras e brancas, para entender o impacto de estressores crônicos em sua saúde imune e tumoral. Os resultados são um alerta poderoso sobre o quanto nosso corpo sente aquilo que a mente sofre em silêncio.
Apesar de relatarem níveis semelhantes de estresse percebido e suporte social, as mulheres negras viviam, em sua maioria, em contextos socioeconômicos mais desafiadores. E esse ambiente teve reflexo direto no organismo.
Protetor biológico?
O suporte social adequado se mostrou um verdadeiro protetor biológico: ele estava associado a níveis mais altos de IL-5 (um marcador anti-inflamatório) e à ativação de células natural killer, que são fundamentais na defesa do organismo — especialmente em mulheres negras. Ou seja, sentir-se amparada pode fortalecer a imunidade de forma concreta.
Por outro lado, o estresse percebido, a discriminação racial e a privação socioeconômica estavam ligados a um aumento da inflamação sistêmica (como o aumento de IL-6), à presença de macrófagos M2 (células associadas a pior prognóstico tumoral) e até mesmo ao aumento da carga mutacional do tumor, tornando-o mais agressivo.
As análises mostraram que as mulheres negras, ao enfrentarem múltiplos estressores, apresentavam respostas imunológicas distintas, incluindo:
- Maior infiltração de células mieloides no tumor (como monócitos e macrófagos M1 e M2)
- Quimiotaxia aumentada (movimentação intensa de células inflamatórias)
- Imunossupressão sistêmica
- Aumento da carga mutacional tumoral associada ao estresse
Essas alterações tornam o ambiente tumoral mais resistente ao tratamento e o sistema imune menos capaz de combatê-lo. São respostas silenciosas que não aparecem nos exames comuns, mas que influenciam diretamente o desfecho da doença.
Mais do que um estudo técnico, esses achados revelam uma ferida social e emocional que repercute na saúde física. Eles mostram que o câncer de mama não é apenas uma doença do corpo — é também reflexo do contexto em que essa mulher vive, da forma como é tratada, acolhida ou invisibilizada.
O corpo responde ao abandono social. E, por outro lado, também responde ao afeto, ao cuidado, à escuta e ao suporte.
Precisamos ampliar a visão sobre o tratamento do câncer de mama. Acolher as histórias, considerar os impactos da vivência social, emocional e econômica e fortalecer políticas públicas que levem em conta essas desigualdades são passos urgentes.
Se o estresse crônico e a discriminação afetam diretamente o sistema imune, cuidar do emocional não é um complemento — é parte essencial do tratamento.

Concluímos
Mulheres não adoecem sozinhas. Elas são atravessadas por tudo o que as cerca — e o cuidado precisa alcançar essa complexidade.
Se você acompanha mulheres que estão enfrentando essa jornada, compartilhe este conteúdo. E se quiser conversar mais sobre estratégias que integram ciência, saúde emocional e um olhar humanizado, estou por aqui. Vamos juntas transformar o cuidado?
Referências:
HARRIS, A. R. et al. Multilevel Stressors and Systemic and Tumor Immunity in Black and White Women With Breast Cancer. JAMA Network Open, v. 8, n. 2, p. e2459754, 14 fev. 2025.
COLLINS, K. L.; ELMORE, L. C. Exploring the Deleterious Biologic Association of Stress With Cancer Disparities in Black Women. JAMA Network Open, v. 8, n. 2, p. e2459763, 14 fev. 2025.